Capítulo 2 - Luís L.

Luciana lembrava-se como Luís L. a tinha apoiado quando lhe apresentou as dúvidas que tinham surgido, sobre as eventuais dificuldades que encontraria quando ingressasse na Escola de Artes Plásticas.
Sabiam que defrontaria preconceitos muito arreigados, até mesmo os seus próprios, mas incorrecto seria renunciar às suas tendências artísticas, recusar a expressão mais ampla da sua sensibilidade estética, apenas porque à sua frente certamente veriam levantar-se, pelo menos, o machismo e a comiseração paternalista, ambas afinal faces da mesma moeda, olhar de pretensa superioridade sobre os seres diferentes, daninha erva presente onde quer que se veja surgir alguém capaz de criatividade.
Luís dissera a Luciana ser esse combate inevitável, pelo que ela só teria vantagens em travá-lo no campo da sua escolha.
Lembra-se de como passaram então, já decididos, a analisar aspectos "técnicos", os que lhes pareceram mais relevantes.
Por exemplo: seria a natureza dos materiais a determinante da selecção dos artistas segundo o seu sexo? Concretamente, a questão levantava a perplexidade: a razão da maior percentagem de pintoras do que de escultoras teria algo a ver com a dificuldade de manejo da dureza das matérias escultóricas? Tal facto teria algo a ver com a cultural aptidão, secularmente desenvolvida, para a destrinça das tonalidades cromáticas, mais tradicionalmente veiculada à mulher?
Por outro lado, a predominância masculina de escultores poderia explicar uma característica que sempre notara: a dominância das formas do corpo da mulher e a paralela exaltação da virilidade, quer uma quer outra, quantas vezes por indefinida moda, ou por ambígua encomenda.
Na Antiguidade Clássica os belos corpos masculinos da estatuária grega não eram produto da sensibilidade nem do olhar femininos. Onde a Escultura Feminina?
Aí Luís protestara: a sensibilidade convencionalmente qualificada de feminina não era exclusiva das mulheres!
Luís lembrara que poderiam enquadrar nessa análise aquela citação do Ricardo Reis: "O que distingue a arte clássica, propriamente dita, a dos gregos e até dos romanos, da arte pseudo clássica, como a dos franceses em seus séculos de fixação, é que a disciplina de uma está nas mesmas emoções, com uma harmonia natural da alma, que naturalmente repele o excessivo, ainda que ao senti-lo; e a disciplina da outra está em uma deliberação da mente de não se deixar sentir para cima de certo nível. A arte pseudo clássica é fria porque é uma regra; a clássica tem emoção porque é uma harmonia".

Sem comentários: