Capítulo 13 - Cabo das Tormentas

Mestre Domingos Carpinteiro também conhecia a ciência empírica da previsão das mudanças do tempo, e com gosto recitava, como versos, essas pérolas da memória oral:
-"Vermelho nascente que pronto descora,
Tempo de chuva que está pra demora."
Como na nossa terra gostamos de ser poetas, identificando rima com verdade!
-"Sol nascente desfigurado,
No Inverno, frio; no Verão, molhado."
Pensativo, Álvaro lembrava-se da conclusão a que Luciana tinha chegado, acerca da 'Narrativa da Planície': "um mergulho na interioridade".
-"Sol que nasce em nuvens sentado
Não vás ao mar, fica deitado."
Concordara que a palavra-chave do texto era "intervalo", ou "interior". A partir dessa análise, Luciana consegui convencê-lo a uma viagem "sobre a superfície da exterioridade". Em extensão.
-"Poente nubloso, vermelho acobreado
Safa a japona, que o tempo é molhado."
Wirsung recorda o espanto de Álvaro quando concordou com a análise que Luciana fizera do seu texto.
-"Nuvem comprida que se desfia
Sinal de grande ventania."
Interessado em conhecê-la, Álvaro apresentou-lhe a turbulenta amiga passados alguns dias, numa reunião.
-"Com céu azul carregado,
Teremos o barco em vento afogado."
Foi então que ela o convidou a um passeio no Sado, talvez mais longe...
-"Foge dum céu azul aleitado;
Ou desces à câmara ou ficas molhado."
Apenas Luís estava atento às palavras do artífice, com a sua alma de poeta sintonizada nesses sons de timbre antigo.
-"Céu pedrento, chuva ou vento,
Não tem assento."
Agora Luís olhava para Luciana, lembrando-se dos primeiros tempos de angústia desdebrada, em que ela desabafava das grosserias da Escola.
-"Nuvens espessas e acumuladas,
Ventanias certas e continuadas."
Para ela escreveu todos os seus poemas, amava-a como à sua própria duplicação, em Luciana.
-"Nuvens pequenas, altas e escuras
São chuvas certas e seguras."
Agora ela tinha-se transformado naquele esteio de confiança, o centro atractivo da roda dos amigos.
-"Se grandes, correm desmanteladas,
Mau tempo, velas rizadas."
A alegria que irradiava, a polémica que gostava de fazer despoletar com radicalidades, não só verbais.
-"Castelos de nuvens sem nuvens por cima
São chuvadas certas, mesmo sem rima."
Só tardiamente reparou que se distraira dos provérbios, ou que se pusera a pensar noutras coisas, talvez como os outros, afinal, que para isso os provérbios são bons. Eram quase todos bastante sombrios, carregados de fatalismo, contrastando fortemente com as suas divagações.
-"Se um trovão seco no céu reboa,
Temporal violento nos apregoa."
Os presságios pessimistas indicam invariavelmente cautela, bom senso, a base da sobrevivência aprendida desde as primeiras trevas das odisseias dos povos, em todos os continentes e margens.
-"Se vem chuva e depois vento
Põe-te em guarda e toma tento."
Só excepcionalmente se declara o optimismo, por receio de castigo dos deuses.
-"Se um dia Deus quiser,
Até com norte pode chover."
O fatalismo das gentes miseráveis tinha dado origem a toda uma mitologia de preceitos, preconceitos, tolhendo a audácia de muitos.
-"Lua nova trovejada,
Trinta dias é molhada."
Os intrépidos nautas de quinhentos não deram ouvidos a essas vozes, ou teria sido outra a história.
-"Relâmpagos ao norte, vento forte,
Se do sul vem, chuva também."
Como por bússolas, os temeratos regem as suas vidas pelos "dizeres", temerosos e regulados, sem desvios.
-"Entre os Santos e o Natal
É Inverno natural."
Mas também algo de útil sempre se soube colher destas tradições, reflectindo probabilidades frequentes se feitas de experiência, não encaradas como regras, nem traições.
-"Chuva miudinha como farinha
Dá vento do norte, mas não muito forte."